Pular para o conteúdo principal

#‎CRÍTICA‬ > O nascimento de uma nova nação (© Francisco Weyl)

Escrevi este texto a propósito dos cinco filmes que projetamos nesta quarta-feira, 6 de maio, no Vacaria Club, no âmbito do Atelier de Artes e Práticas Audiovisuais, projeto vinculado ao FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté.
A curadoria alterou a programação à última da hora, em função de problemas técnicos no arquivo do filme definido anteriormente (“Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho).
Assim sendo, os Cineclubes Associados (Céu de Estrelas, Amazonas Douro e Casa do Professor), responsáveis pela sessão exibirão aos seguintes filmes: “Marajó” (Sérgio Péo - 1992/2000); e de HUMBERTO MAURO: 1964 - A velha a fiar / 1955 - Cantigas do Trabalho / 1974 - Carro de boi / 1956 - João de Barro (Ninhos de Aves) / 1955 - Manhã na Roça.
Esta missão de viver o Cineclube muitas vezes nos coloca diante destes momentos em que temos de pensar rápido e tomar uma atitude para não perder a sessão, pelo que vasculhei meus arquivos e deles retirei estas cinco das muitas pérolas que tenho guardadas para todas as ocasiões. Ver filmes para mim é tão essencial quanto tomar água e comer. Faço isso todos os dias.
Assistir e ver Humberto Mauro, portanto, é para mim um momento de aprendizagem, em que sou conduzido por uma narrativa cinematográfica linear e descritiva, típica daquele período pós-guerra (estamos aqui na era do desenvolvimentismo, década de 1950, o cinema nacional a imitar o americano).
Este é o cenário, datado, entretanto, o realizador, vai além deste cenário, revelando-nos pelas paisagens e passagens que filma, uma poética de força vital traduzida pelo trabalho humano e pela sua relação com a própria natureza, através de imagens espetaculares, captadas em ângulos e planos tecnicamente perfeitos e esteticamente divinos.
A obra de Humberto Mauro está na raíz do novo cinema brasileiro. De Guataguazes para o Rio de Janeiro, este realizador faz um tipo de cinema que se descola do que até então se vinha fazendo nos estúdios que outrora copiavam o padrão hollywoodiano.
Personagens rurais, trabalhadores, em geral, nas suas lidas cotidianas, com sua roça, suas vacas, seus bezerros, seus carros de bois e toda esta vivência com a natureza que lhes dá a terra, frutos, árvores e aves.
Eram estes os cenários, objetos, coisas, animais e pessoas os elementos fulcrais de seu olhar. Com um apuro nas fotografias, HM retira proveito dos nuances solares e das sombras que se espraiam pelas profundezas destes campos, cujos grandes planos gerais - ainda que "demorados" - não conseguem alcançar, até que o ser humano, a mulher e o homem, o menino e o velho, enfim, desapareçam e/ou se percam além da linha do horizonte.
Seus cortes e alterações de planos e sequências conferiam a sua montagem uma marca registrada, uma espécie de assinatura, em que o autor-realizador conduz as rédeas destes bichos que domesticamos numa dimensão artística, estas técnicas e tecnologias que transportam cargas e traduzem a alma do homem, no ranger das rodas dos velhos carros de bois ou nos cânticos dos pássaros que entram em cena mesmo fora de campo.
O Documentário nasce assim falado, narrado, com um texto tanto científico quanto poético, descritivo e sugestivo, entoado de forma categórica por uma voz dramática em contraste com canções das quais se utiliza para dar mais força aos filmes, fazendo destes uma dança, em par, imagens-músicas.
E as nuances da poesia (“narrada” de forma oral) escorrem prosa adentro para “descrever” as cenas e nos fazer sentir ainda mais o que já estamos sentindo, ao ver estas paisagens demarcadas por enquadramentos e movimentos, cortes e esvanecimentos, entretanto, e um único “locus”, que é o mundo rural de Guataguazes.
O Brasil assim deixa de ver a zona urbana das cidades e percebe que o progresso é paradoxal, que ele depende do primitivo, e que os seres humanos são esta força que media este devir, cabendo ao poeta das imagens a tradução dos ciclos históricos sobre os quais se constrói as identidades das cinematografias nacionais.
Fonte © ‪#‎TRIBUNADOSALGADO‬ (Texto: Francisco Weyl)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A última postagem da Tribuna do Salgado

Independente, combativa, crítica, sem rabo preso, sem financiamentos de partidos e de grupos políticos e empresariais, TRIBUNA DO SALGADO fez um bom combate, mas já cumpriu o seu papel, razão pela qual informo que este projeto editorial deixará de existir, objetivamente, no dia 31 de Março de 2020. O lançamento oficial da primeira edição (impressa) do Jornal TRIBUNA DO SALGADO aconteceu numa sexta-feira, dia 25 de abril (2014), no espaço Adega do Rei, em Bragança do Pará, tendo o projeto funcionado com reduzida estrutura desde a fundação, com algumas preciosas colaborações,   de abnegados amigos e parceiros. De equipe reduzida, sempre foi um David contra os Golias da opressão. Privilegiamos temas como cultura, cidade e comunidade, sem espaços para textos e imagens apelativas como sexo e violência, que infestam como pragas as consciências humanas. Nosso lema, a liberdade de expressão, o respeito à opinião, e à crítica dos leitores, sem, jamais publicar boatos ou acusaçõ...

#CENTENÁRIO “O resgate da associação cultural e desportiva que afirma a Bragança Negra”

Idealiza-se demasiado uma suposta colonização francesa de Bragança, e do mesmo modo, mitifica-se uma Bragança indígena, mas muito pouco se destaca a presença marcante da negritude em Bragança. E apenas quando há referências à tradição da Marujada é que se enaltece mais as heranças do que a matriz negra de São preto, que era de origem etíope. Benedetto migrou de África para Sicília, Itália, onde primeiro esmolou, e entrou pelas portas do convento, para ajudar na cozinha, tornando-se, com o tempo, um Monge-Cozinheiro. E foi uma associação desportiva-cultural, entretanto, que veio a afirmar a força negra na sociedade bragantina. Fundado em 1917, o TIME NEGRA completa 100 anos, com direito a homenagens aos seus ex dirigentes e associados, e a as pessoas que fizeram tanto o esporte quanto o carnaval da entidade. Em sua época áurea, entre os anos 1948 e 1962, o TIME NEGRA conquistou o título de clube mais querido de Bragança, em pesquisa feita pelo Jornal do Caeté. E para isso teve de ...

#DOCUMENTÁRIO "A poeta do Xingu"

“Filme da Série Vozes do Xingu, realizado no âmbito do projeto “Memórias de trabalho e de vida frente à construção de Belo Monte”, e que, sob a coordenação da professora Elizabete Lemos Vidal, da Universidade Federal do Pará, apresenta depoimentos de moradores da Volta Grande do rio Xingu, atingidos pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.