Transcorria o ano de
2003, e resolvi criar o projeto editorial "Pará
Zero Zero”, com meus amigos Rilke Pennafort Pinheiro, Célia Gomes, e Simona Di
Maggio, e cuja primeira edição foi impressa graças ao apoio do então
vereador Paulo Fonteles, e do prefeito Edimilson Rodrigues. Decidimos inaugurar a revista com o jornalista Lúcio Flávio Pinto, que
eu havia entrevistado anos atrás para o Jornal “Resistência”, e anos depois,
para o filme- documental “Contracorrente”. Por considerar a
entrevista uma marco e bastante atual, decide republicá-la no meu Blog
#TRIBUNADOSALGADO, na íntegra. (O editor Francisco Weyl)
Respondendo
a 13 processos na Justiça (eram 15 mas dois já prescreveram), o jornalista (e
agora rábula) Lúcio Flávio Pinto tem estudado à torto e à direito para
arquitetar a sua defesa ante a acusação de seus algozes, entre eles a
Construtora CR Almeida, suspeita de fazer a maior grilagem de terras do
planeta, de cinco a sete milhões de hectares.
Responder
a processos movidos tanto por juízes, quanto por empresários e administradores
públicos é o preço que Lúcio paga por ter renunciado ao poder dos média, às
amizades e à vida social, optando por uma vida dedicada ao estudo, à pesquisa
e a investigação rigorosa de temas que
afetam a Amazônia, região que Lúcio considera um bom lugar para morrer.
Leitor
e tradutor innamorato de Gramsci, Lúcio assume que a sua guerra é
perdida. Quixote sem moinhos de vento, mesmo sem a solidariedade de sua própria
categoria e desiludido com o silêncio da cidade, o jornalista continua em luta,
de forma apaixonada, com inteligência e coragem, enfrentando, os interesses do
poder autoritário e de seus tentáculos, do parlamento ao narcotráfico, do crime
organizado aos partidos políticos, das instituições à máfia corrupta que
destrói o Pará e o Brasil.
A
Revista Pará Zero Zero rompe a omissão de Belém e manifesta com esta reportagem
o seu total apoio ao jornalista Lúcio
Flávio Pinto, que vem sofrendo perseguições desde quando lançou o seu Jornal
Pessoal, há 16 anos, depois de ter sido proibido de publicar uma reportagem
sobre o assassinato de Paulo Fonteles no maior jornal da Amazônia.
Lúcio,
parabéns pela tua luta e que ela inspire homens dignos de se autodenominarem
como tais.
FW
Quando eu vi o Paulo
morto e assumi um compromisso: eu não vou deixar que este crime fique impune.
Eu
me dediquei integralmente durante três meses para apurar o máximo para chegar
não só aos executores, mas aos idealizadores, os que organizaram o crime. E fiz
uma matéria e era para sair n’ “O Liberal”, matéria completa, dizendo tudo. “O
Liberal” não teve coragem, na época eu trabalhava no jornal, mas ainda houve um
relâmpago de consciência e me permitiram fazer o Jornal Pessoal.
O primeiro Jornal
Pessoal foi criado por causa disso: eu não tinha onde publicar a matéria sobre
o assassinato do Paulo Fonteles.
O
jornal Pessoal foi lançado por causa do assassinato do Paulo Fonteles. Se eu
pudesse ter publicado n’“O Liberal” a matéria do Paulo Fonteles eu não teria
feito o Jornal Pessoal. Quando eu entreguei o texto a Rosângela Maiorana ficou
impressionada, ela leu e disse: é impressionante esta matéria, esta completa,
mas eu não posso publicar. Eu disse: mas se eu fizer um jornal, tu imprimes? E
ela disse: eu imprimo e de graça. Eu fiz o Jornal Pessoal motivado por isso.
Em 1988 eu renunciei e
fiquei fazendo só o Jornal Pessoal.
A
minha opção era uma opção às vezes da aceitação da autodestruição. Chegava num
ponto em que eu me sentia perseguido, recebia ameaças de morte. As coisas mais
vis que uma pessoa podia sofrer eu sofri. E o perigo nesta situação é você se
sentir mártir. Se você se sentir mártir você fica rancoroso, amargo, é
terrível, aniquila com uma pessoa porque ela se considera acima do bem e do
mal, ela se leva a sério demais.
Eu acho que o Jornal
Pessoal é uma espécie de auto-imolação.
Eu
sei que é uma das fontes de autodestruição, mas ao mesmo tempo ele é um
registro. Quando eu estou de mau humor
eu digo, não vale a pena, é muito pouco. Quando eu estou de bom humor, eu
pergunto, como eu vou encontrar um auditório de 12 mil pessoas, que é a quantidade
de pessoas que lê o Jornal. A média é cinco, mas o Jornal Pessoal é lido por
mais de cinco, por dez, doze, quatorze. Por que? Porque o Jornal Pessoal, se
você tirar cópia ele sai mais barato. É o Jornal mais copiado que existe.
O eco do Jornal Pessoal
é muito pequeno.
É
evidente que a minha publicação não é popular, ela é cara, o formato dela é um
formato que não é agradável, não tem cor, não usa foto, não publica coluna
social. É um Jornal elitista. Há um papel das elites que é revolucionário, as
elites têm esse papel. Qual é esse papel? Cumprir a sua função de elite, ou
seja, não negociar com os compromissos sociais políticos coletivos. Tudo o que
eu sei as pessoas sabem, sempre digo: não sei nada além do Jornal Pessoal. O
Jornal Pessoal me dá muitos problemas, até mesmos problemas do ponto de vista
sentimental e emocional, eu perdi muitos amigos por causa deles, eles não
conseguiram suportar a verdade.
Eu sei discutir a verdade, eu escrevo de uma forma
clara que dá para as pessoas entenderem, mas não é o suficiente.
Às vezes é uma coisa chocante, você saber da
gravidade, tentar transmitir e é como se você tivesse falando etrusco. O Jornal
Pessoal é assim: quando ele tem uma matéria muito séria na capa, ele vende
pouco. E eu faço questão de colocar uma matéria muito séria na capa. Eu coloco
aquilo que eu acho mais importante para o leitor, mesmo que o leitor não saiba
que aquilo é o mais importante.
Eu trabalho em jornal há 37 anos e nesses 37 anos eu
aprendi que o meu único compromisso é com a verdade.
A verdade é a minha ferramenta profissional.
Eu vou atrás dos fatos e se eles me dizem que isto é pedra, isto é pedra. Eu
não estou medindo as conseqüências ou a quem serve isso. A verdade para mim é
tão necessária, tão indispensável quanto respirar. Eu só sei trabalhar assim.
Eu quero ter a verdade. Eu quero que a verdade esteja ao alcance do cidadão no
tempo em que esta verdade serve para ele mudar as coisas. Eu acho que a verdade, ela liberta. A
verdade, colocada no momento certo, em que as coisas ainda não estão
consolidadas, em que o fato ainda não está consumado, Inês não está morta nem o
leite está derramado, ela é a arma. Só que o grande problema numa Região como a
Amazônia é que nós não somos protagonistas da história, mas não é porque nós
não queremos. É porque às vezes tem uma sobre-determinância. As pessoas não
percebem esta importância.
Eu sou uma pessoa apaixonada por aquilo que eu faço.
Os
jornalistas como empresa começaram a prestar mais contas aos clientes do que ao
público. É impossível que nenhum
jornalista tivesse sabido antecipadamente do Plano Collor, mas nenhum quis
antecipar porque faz palestra para empresa, faz palestra para grupos, recebe
belíssimos honorários e não quer sacrificar isso. O jornalista hoje é muito
yuppie, ele dá muita importância à carreira, não tem mais compromissos éticos,
não tem compromisso com a opinião pública. Eu acho que nós somos escravos da
opinião pública. O que faz um sujeito abrir a porta para mim e me receber na
frente de todo o mundo e me dar um tratamento especial não é a minha pessoa, é
o que está por trás de mim, eu sou um auditor do povo, e nessa condição eu o
obrigo a me receber, eu vou prestar contas para o povo. Eu não faço para ganhar
dinheiro, eu faço porque eu tenho paixão por isso, eu defendo as minhas idéias
com ardor e com paixão. As pessoas dizem que eu sou o dono da verdade porque eu
defendo as minhas idéias. Eu não me considero o dono da verdade. Eu trabalho
muito para identificar os fatos. Eu faço o máximo de esforço. Eu me tornei um
escravo da informação. A informação não está fácil. Quando eu tenho uma
informação eu tenho segurança da minha informação. Eu estou disposto a defender
em qualquer lugar. Agora se me convencerem do contrário eu aceito na hora. No
meu Jornal eu digo: errei, publico, errei, mudei minha opinião, fui convencido
por fulano, às vezes num debate, você está me dando uma coisa que eu não sabia,
estou aprendendo agora.
Os interesses que eu
contrario são interesses muito poderosos.
Eu
sempre fui um jornalista da contestação. A verdade, ela é subversiva, ela vem
contra a história oficial. A história oficial é do vencedor. E eu sempre fui
atrás da história real. Eu tenho que estar preparado não só para enfrentar as
ameaças, mas também para enfrentar as armadilhas, para passar por elas e sair
lá do outro lado. Isso exige honestidade. A honestidade é uma coisa tranqüila
para quem não se preocupa, não se pergunta porque é honesto, se é melhor ou se
é pior. É porque é. É a mesma coisa da verdade, a verdade é uma coisa simples,
é você ir atrás do fato e ir a busca da verdade.
Eu tenho consciência que
às vezes eu sou incômodo.
Eu
sou chato, porque eu teimo em fazer um jornalismo, eu acho que todo jornalismo
é investigativo. Na minha época a gente jogava press-release no lixo. No
máximo, era uma pauta. Hoje press-release está todos os dias nos jornais. A
minha história não é apenas de fontes secundárias, eu perco noites estudando,
lendo, eu fui a todos os lugares, é um atavismo do jornalista, não adianta o
jornalista ter a melhor bibliografia do mundo se ele não esteve lá.
Nós estamos condenados a
perder, nós estamos condenados a ser colonizados.
Eu
sou contra o colonizador, eu sou a favor de que o povo participe dos
benefícios, da libertação. O grande problema de uma Região como a Amazônica é
que é uma região colonizada, e é uma Região de dupla colonização. As grandes
transformações que ocorrem na Amazônia são de agentes que vêm de fora. Esta
história fantástica tem uma pré-condição para ela ser bem sucedida na ótica do
colonizador: é que as pessoas não tenham informação, nenhuma. Se tiverem, que
essa informação não esteja na agenda diária dessas pessoas, ou seja, essa
informação não se transforme em uma arma, num instrumento, numa ferramenta.
Os protagonistas da
história não somos nós.
Nós
não conseguimos ser protagonistas de uma história fantástica. A verdade não
interessa aos protagonistas da história. Os protagonistas são os donos desses
grandes empreendimentos que se instalam e se executam. A esses não interessa a verdade. E também não
interessa verdade aos saqueadores, esses, vamos dizer, são os grandes piratas.
Aos pequenos piratas também não interessa, porque eles querem que a opinião
pública não tenha as marcas da pirataria que eles estão fazendo. Você publica a
verdade, você coloca disponível na sociedade, mas é como se a sociedade
estivesse condenada a não perceber a importância daquilo e por isso ela é
colonizada. As vezes é uma sensação de frustração, mas ao mesmo tempo é o
lampejo do raio da história que diz: você é colonizado, você viu a condição,
mas você não pode mudar. A verdade não interessa aqueles que comandam a
história da Amazônia. Quem comanda a história da Amazônia é o colonizador.
Então, por isso a verdade não interessa.
Descobriram que me
prender na Justiça é o melhor caminho porque me imobiliza.
São
processos tão desgastantes que eu preciso estar permanentemente lá, não só para
exercer a minha defesa, produzir as peças que são necessárias no tempo devido,
mas também fazer presença. Acho que uma coisa importante nos meus processos é
que as pessoas me temem, porque eu tenho autoridade moral, eu não baixo a
cabeça para ninguém, ninguém, nunca baixei a cabeça para ninguém, porque eu
enfrento todas as situações, as piores situações, de vilania, de calúnias.
Eu faço o meu trabalho
continuamente, eu tenho um mote continuo: eu faço, faço, faço.
Eu
sei fazer assim e tenho que fazer assim. É uma rotina. Se eu sair dessa rotina,
e as vezes eu saio, é terrível. Eu penso: eu tenho 53 anos, as vezes eu sinto
que estou perdendo o meu tempo, eu podia estar usufruindo o prazer de ler, de
me instruir, de produzir obras que eu poderia estar a produzir, mas não posso,
porque estou na linha de frente, sempre, sempre estive na linha de frente. Eu
estou na linha de frente, sempre, repórter sempre. Vou fazendo, vou fazendo.
Não procuro avaliar, não procuro analisar.
Eu sinto que eu estou
numa guerra perdida.
No
fundo, no fundo, aquilo que eu tenho de mais reflexivo, uma pessoa que estuda a
história, que faz correlações, análises de países, análises de época, eu sinto
que a minha causa é uma causa perdida, eu me sinto como um Dom Quixote. Só que
não são moinhos de vento. As pessoas pensam que são moinhos de vento. É como se
eu soubesse previamente que a causa está perdida. Todas as vezes que eu faço um
balanço eu fico mais chocado porque a aparência é de que há uma evolução. A
essência não é. Isso não se trata de uma análise conceitual, teórica, é uma
análise factual.
O que é que eu tenho que
fazer?
Hoje
eu faço mais palestras do que escrevo. Falo mais do que escrevo. Eu passei a
tentar contagiar as pessoas no face a face. Dizer as coisas. Muita gente diz
que vai a minha palestra e sai arrasado, porque eu dou um choque de verdade. Eu
acho que a verdade liberta, mas a verdade liberta não no sentido de que ela é
ungüento. Ela vai aliviar a dor, não, ela vai incrementar a dor, porque a dor é
que vai ter essa atitude das pessoas mudarem. Eu escrevo isso porque eu não sei
fazer de outra maneira. Numa palestra eu
estou ao alcance do auditório, o auditório pode perguntar o que quiser, dizer,
contestar. Eu não aceito embromação. Eu não aceito essa história do cara me
dizer coisas fantasiosas, interpretações que são de esquerda, são
vanguardistas, são progressistas, e não tem base factual, eu sou exigente, sou
rigoroso.
FONTE © Francisco Weyl (Jornalista 2161)
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