O espetáculo “Ouça meu filho” tem uma proposta aconchegante, adaptando-se facilmente ao espaço em que ele acontece, fato que aliás é uma marca das ações de Rosilene Cordeiro, que explora os recursos essenciais do ator, a voz e o corpo, agregando à experiência também alguns reduzidos elementos cênicos, os quais vai incorporando na cena. Mas, além desta relação ator-objetos, a proposta desta encenação é a de transformar em teatro as histórias e estórias que as pessoas contam umas paras outras nas suas casas, adultos e crianças, que, durante a apresentação, tornam-se em narradores e/ou atores.
A atriz começa por fazer um jogo, uma espécie de monólogo, em que se relaciona com os objetos das casas em que ela faz a apresentação, seguindo-se ao convite para que as pessoas contem as histórias e/ou estórias, que podem ser reais ou ficcionais, cenas pessoais ou mesmo lendas. Entretanto, todo este jogo começa bem antes, quando as pessoas vão chegando, sentando-se à mesa do café, ritual praticado e invocado no espetáculo, que é bem intimista e memorialístico.
Rosilene Cordeiro evoca os ensinamentos de sua própria avó e toda a relação que esta possuía com as ervas que costumava buscar no quintal. Segundo a atriz, sua avó jamais saiu de casa e construiu toda a sua percepção de mundo entre a sala e o quintal. Com um mínimo de objetos e com a força da fala-narrada, as memórias de Rosilene emocionam uma plateia que súbito abandona a passividade do espectador e começa também a aderir ao espírito das contações de estórias. Ao que todos pensam que o espetáculo encerra, Rosilene pede licença e informa que a encenação tem início exatamente depois de contadas as estórias. E ela então se retira do espaço com os atores convocados para tornar em teatro as conversas que acabaram de trocar umas com as outras. É divino este momento.
Quando retorna com a segunda parte, criada a partir das falas da plateia presente, todo aquele conjunto de emoções que atravessaram a mesa do café e o diálogo na sala são potencializadas de forma coletiva pela atriz, que conduz as dramatizações de uma forma bastante natural, de forma a que nos sintamos em casa, como nos velhos tempos, em que as famílias dialogavam, todos falavam e todos se ouviam.
E a cena se desenrola como um novelo no interior de um labirinto, onde estão guardadas estas estórias e histórias, como se estivessem perdidas e precisassem ser (re)encontradas pelas memórias de cada um de nós. E cada narrativa pressupõe recordações que estavam adormecidas e que se vão revelando como quem puxa a ponta de um longo fio que nos leva a um passado que renasce no presente, numa mistura de literatura com o teatro, elementos que caracterizam o que Rosilene Cordeiro conceitua como a “dramaturgia do espectador” .
E toda esta cena, segundo Rosilene Cordeiro, significa uma explosão, que apresenta a cidade à própria cidade, razão pela qual ela e equipe formada pela produtora e fotógrafa Chimenia Pinheiro, e pelo seu “Cavaleiro de Ogum”, o sonoplasta Lenardo Oliveira, com quem ela divide a criação de suas ações em espaços culturais e mesmo nas ruas, registraram o máximo possível cada momento vivido. E a atriz informa que todo o material coletado no Cortejo-Sarau e na audição do “Ouça meu filho” (imagens, textos, sons e instalações fílmicas, visíveis e invisíveis) vão se tornar a obra-resultado de suas intervenções artísticas, como estas que ela fez em parceria e co-realização com o Coletivo Bragantino de Poetas do Sarau da Lua Minguante.
FONTE © #TRIBUNADOSALGADO
(Texto: Francisco Weyl / Foto: Dri Trindade)
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