Porque, um texto, é como a ponta de um iceberg, a maior
parte do gelo fica dentro da gente, essas viagens, conhecer estes lugares,
vivenciar, ainda que muito rapidamente, estas realidades, e pessoas, tudo isso
nos toca imensamente, nesse momento, se eu pudesse dizer que o eu sinto, mas
que mesmo sem conseguir eu insisto em (d)escrever, sinto-me como uma bomba de
sentimentos múltiplos, a explodir, em estado de criação, entre o animal, e o
cosmológico, jamais humano...
“Sob as distâncias amazônidas”
(Para Tião Viana, João Alberto Capeberibe e José Varela)
Muitas pessoas até percorreriam tranquilamente as cidades de
Rio Branco e Epitaciolância (Acre), Santarém (Suruacá), Altamira, Rondon do
Pará, Abel Figueiredo, Marabá, Ilha das Cinzas – em Gurupá (Pará), Macapá
(Amapá), e Anori (Amazonas), entretanto, muito poucos atravessariam diversos
municípios amazônidas, com o objetivo de produzir/ realizar um documentário,
revezando-se nos papéis de motorista, assistente de câmera, operador de áudio,
assistente de produção, produtor, diretor de fotografia, repórter e realizador.
E foi exatamente isso que eu fiz: de avião, de carro, de
barco, e algumas vezes a utilizar todos estes transportes, em 30 dias, entre os
dias 31 de janeiro e 29 de fevereiro de 2012 – com milhões de ideais na cabeça
e algumas câmeras nas mãos, para fazer uma verdadeira epopeia cinematográfica chamada
(Doc) “Rumo Norte”, na altura, na condição de ativador de Rede do Programa
Nacional de Inclusão Digital para as Comunidades - Telecentros.BR.
Na Amazônia, as distâncias se tornam ainda muito maiores do
que de fato o são, uma vez que algumas comunidades, pela ausência de estrutura,
ficam isoladas, acessá-las significa de alguma forma incluí-las, mas, para que
se incluam, necessitam, elas próprias, segundo os seus próprios desígnios,
acreditar no imaginário e se apossar das suas realidades, para que os seus
pensamentos, as suas produções intelectuais, e as suas culturas, sejam por elas
interpretados – para além de vivenciadas em suas experiências espirituais, e
empíricas – com os aparatos tecnológicos aos quais tem acesso e/ou que lhes são
disponibilizados.
Dentro de uma perspectiva humana, há um consenso entre os
jovens que as suas vidas serão marcadas pela experiência de aprendizado e das
relações e afetos que construíram no Telecentros.BR, participar de um programa
que lhes facilitou o acesso e o desenvolvimento dos seus conhecimentos no
âmbito da cultura digital, sem a qual não poderiam se pautar a si próprios,
enquanto fonte de conteúdos teóricos e intelectuais, informações acadêmicas, e
turísticas, pela via das imagens e dos imaginários narrados pelas oralidades do
lugar que habitam. E estas meninas e estes meninos - monitores, com toda a
paixão pela vida e pelos sonhos que sonham e pelas perspectivas que projetam,
vivem com simplicidade por estes rincões inimagináveis deste país continente
chamado Amazônia, entretanto, é como se estivessem à revelia dos fenômenos que
sucedem neste processo – nos espaços e em torno dos espaços onde os telecentros
estão instalados.
Se as demandas não chegam aos gabinetes aclimantados de
Brasília amparadas nas ações de movimentos sociais, as políticas públicas não
se tornariam respostas de um estado que afinal de contas faz estatísticas em
benefício próprio e apenas para garantir a sua sobrevivência enquanto opressor
– daí porque o estado, afinal de contas, quando chega, ele destrói. Aos
intelectuais, às lideranças, aos militantes destas comunidades, compete-lhes
compreender este processo político-social, de forma a que o povo se empodere do
que é seu, por direito.
E o direito à inclusão digital e simultaneamente à produção,
ao consumo e à interpretação da informação, é, nos dias de hoje, um dos mais
fundamentais a serem garantidos à civilização, até porque vivemos uma revolução
sem escala nas relações humanas, caracterizada – se não pelo predomínio
absoluto, ao menos por uma visibilidade quase sem fim da Internet, e de suas
redes sociais, a gerar tendências, fortalecer e enfraquecer as lutas sociais,
que se dão no cotidiano das cidades, e dos campos, neste ciclo inexorável da
globalização.
A questão que se coloca aos pedagogos, cuja responsabilidade
com a educação no seu sentido mais amplo é como chegar até estes jovens e
também a todos estes que sequer tiveram qualquer tipo de acesso - de forma
ética, didática e responsável, numa perspectiva revolucionária. No nosso entendimento,
este programa – aqui no Norte – tem esta direção.
Sabemos que um monitor não é apenas um monitor, mas uma
pessoa, uma pessoa normal ou com alguns poderes mas sempre uma pessoa.
Então é isso o que nós queremos mostrar, um cara cheio de
esperança.
Um programa que permite às pessoas, à cidade, à comunidade,
á entidade, a possibilidade de continuar as suas trajetórias, só que com
diferenças.
E se todos somos iguais por que ou como fazer esta
diferença?
Porque o que nos diferencia não está na nossa
individualidade e sim na dissolução do que fazemos pessoalmente pelo coletivo,
pelo que nos tornamos, por assim dizer, anônimos.
E é este anonimato o construtor do social.
É pois uma permissão e para mim neste momento uma revelação.
Assim é a poesia.
Fazer um documentário sobre a ação do programa na Amazônia é
uma pretensão, primeiro, porque a Amazônia tem uma extensão tanto imensa quanto
infinita, segundo, pelo orçamento, reduzido, razão pela qual não poderíamos
abraça-la, terceiro que, por isso mesmo, tínhamos que definir aonde ir e
considerar o percurso de cada um dos telecentros e de seus monitores no âmbito
do programa.
Nossa opção foi tanto pela diversidade geográfica quanto
temática, então, pensamos, não podemos ir a um lugar e ignorar o outro que lhe
é vizinho. Temos de ir aonde o projeto vingou e aonde ele naufragou. Na zona
rural e na zona urbana. Falar com jovens, trabalhadores rurais, mulheres,
pescadores e policiais.
Ir tanto à barbárie quanto à civilização. Da placa de
energia solar ao óleo díesel. O conhecimento tradicional e as novas
tecnologias. O pescador e o professor. A pateira de Suruacá e o doutor da
UFPa.
Afirmar os movimentos sociais e simultaneamente a
institucionalidade. Diversidade e democracia. Valorizar a luta da mulher,
defender Belo Monte, estimular a segurança pública.
Chegar a um lugar aonde o gestor está contente e ao mesmo
tempo a um outro com um gestor nada satisfeito. E assim observar e revelar para
quem afinal de contas se destina esta plataforma que é o Telecentros.BR.
Falar da inclusão digital para milhares de excluídos numa
extensão territorial aonde nem 4% da população acessa a Internet.
Foi um desafio. E nós o aceitamos.
Belém, 1 de março de 2011
Texto © Francisco Weyl
Texto © DRI TRINDADE
Comentários
Postar um comentário